Início Opinião João Paulo Cunha: Carta imaginária do reitor suicida

João Paulo Cunha: Carta imaginária do reitor suicida

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João Paulo Cunha é ex-deputado federal pelo PT-SP

Caminho pelo campus sem ter lembranças. A nudez que me obrigaram e o grito forte de culpado ecoado pelos jornais me fizeram um homem sem passado. Me levaram tudo. Deixaram a culpa!

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Há dias ando pensando num fim. Não vejo como falar aos alunos, à minha família, aos amigos e à minha própria consciência que não cometi crime e não sou culpado. A imprensa já me condenou.

Parece que não há luz. Não vejo mais os amigos. Todos me olham com a condenação nas pálpebras. O que eu fiz, meu Deus?

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Distancia-se muito meu recomeço! Em um lampejo, lembro das aulas que ministrei e das que assisti. Lembro dos tempos de estudos, leituras, debates e opiniões. Falávamos de justiça e de direito. Lembro até do tempo em que era arriscado falar sobre democracia, quando sorria nas manifestações e imaginava o futuro. Mas rapidamente meus passos tropeçam nos agentes da polícia federal, minhas opiniões são silenciadas pela certeza da promotora e meus escritos são substituídos por garranchos de uma juíza que só conjuga o verbo condenar.

Estou preso a uma ação que não sei qual é. Eles chegaram e me carregaram para o fim. E, sem saber direito o que fazer, eu segui. Agora me vejo no parapeito do ocaso de uma vida que um dia imaginei que seria boa, na qual faria bem as coisas que aprendi com meu velho Pai.

Desconheço meu processo. Não sei do que me acusam, mas de tantos dedos apontados, notas de jornais, homens e mulheres de preto com a pistola no coldre, a voz pausada do apresentador da TV e do animado locutor das rádios eu me convenço que sou culpado. Não pedi advogado, pois não sei do que me defender.

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E, se não bastasse o cenário de Dante, vi uma vez um ministro do Supremo dizer que agora se prende poderosos. Eu…

E li que “às vezes é preciso uma vanguarda iluminista que empurre a história”. Essa vanguarda me empurra para o átrio do prédio que me inquieta e, talvez no falso brilho da visão iluminista requerida, possam surgir algumas gotas do sangue que derramarei. Sei de outros que resistiram e resistem. Esses verteram lágrimas na solidão de celas lúgubres e ainda respondem processos sem prova e outros contra as provas. Eles continuarão!

É, não sei qual meu erro, mas parece que errei. Ensinei direito para me acusarem errado. Ensinei justiça para me assassinarem. Pedi para preservarem o acusado e me expuseram assim. Mostrei o Art. 5º da Constituição, que trata sobre a presunção da inocência, o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana. Dissimularam as leis, sonegaram informações, manipularam as pessoas e me desumanizaram.

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Disse Victor Hugo na obra “O último dia de um condenado” que “os homens são todos condenados à morte com prazos indefinidos”. Chegou o meu tempo. Me atiro ao chão e não peço piedade. Peço justiça pelos que ficam. Admiro os que resistem e os que lutam.

Me mato sem sentença definida para que os responsáveis pela minha morte levem a última folha do processo que não conheci com suas decisões e colem na minha lápide para que logo abaixo alguém possa escrever: “ Não suportou a humilhação, a injustiça e o simulacro de processo”.

Adeus!

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João Paulo Cunha

04/10/2017

(em homenagem ao Prof. Dr. Luís Carlos Cancellier de Olivo, reitor afastado da Universidade Federal de Santa Catarina)

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