Início Opinião Matheus Campanhã Cruz: Finalmente, a regulação do “crowdfunding”

Matheus Campanhã Cruz: Finalmente, a regulação do “crowdfunding”

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Poucos assuntos causaram expectativa tão grande quanto às regras aplicáveis aos mecanismos de investimento participativo, conhecidos pelo mercado como equity-based crowdfunding. Tradicionalmente utilizado em outros mercados, o mecanismo é um meio eficaz de captação de recursos por meio da emissão de valores mobiliários (quotas, ações e títulos conversíveis, por exemplo).

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Com a crescente necessidade de um mecanismo de oferta pública que não exigisse procedimentos burocráticos aplicáveis a companhias de maior porte (por exemplo, IPOs, que exigem um nível de controle, governança e formalização bastante profundo), foram abertas diversas discussões sobre a necessidade de um mecanismo simplificado para empresas de pequeno porte que desejassem captar recursos junto ao público investidor.

Como resultado dessas conversas, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou, no dia 13 de julho de 2017, a Instrução CVM nº 588, que regulamentou a oferta pública de distribuição de valores de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte, realizada com dispensa de registro por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo (“ICVM 588/17”). A regra, bastante detalhada, buscou conciliar os principais anseios de uma indústria anteriormente não regulada e a proteção aos investidores, de acordo com os princípios seguidos pela CVM.

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Este é um passo importante para o desenvolvimento do setor de investimentos em novos negócios no Brasil. Considerando o cenário econômico brasileiro atual e o alto custo para captação junto a instituições financeiras, esta mudança poderá dar mais alternativas às empresas de pequeno porte no Brasil.

Tendo em vista o caráter inovador da ICVM 588/17, e sem a intenção de exaurir as discussões sobre o tema, elencamos abaixo as principais inovações trazidas pelo novo marco regulatório aplicável às ferramentas de crowdfunding. Não há certeza sobre a efetividade das regras, mas certamente existe agora um novo caminho de exploração para as startups brasileiras.

O que é equity based crowdfunding

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Com certeza você já ouviu falar de crowdfunding, a famosa vaquinha online, mas é preciso muito cuidado na hora de distingui-la do equity crowdfunding. O equity crowdfunding tem uma diferença crucial que o separa da outra modalidade, ele é baseado em investimento.

Em plataformas eqseed.com ou o Broota, uma startup pode pedir investimento em troca de participação societária (equity). Esse investimento vai ser usado dentro da empresa e o investidor recebe uma participação real na empresa.

Enquanto, participantes de vaquinhas ganham apenas um brinde em troca do dinheiro oferecido. Investidores participam da empresa e tem interesse no desenvolvimento dela para garantir lucro a partir daquele aporte.

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O que é o crowdfunding e quem pode beneficiar-se dele?

Utilizando o conceito geral utilizado pelo mercado, a CVM definiu o crowdfunding como aquela captação de recursos por meio de oferta pública de distribuição de valores mobiliários dispensada de registro, realizada por sociedades brasileiras com receita bruta anual de até R$ 10.000.000,00. Além disso, sociedades registradas como emissoras de valores mobiliários junto à CVM não poderão beneficiar-se deste regime.

Além disso, a sociedade beneficiária do crowdfunding deverá firmar um contrato específico com as plataformas eletrônicas de intermediação. Esse contrato deverá conter cláusulas mínimas que prevejam a disponibilização de informações relevantes da empresa durante o período especificado pela ICVM 588/17.

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Quem está fora da regulamentação?

Confirmando a expectativa de alguns setores do mercado, como as plataformas de doações coletivas (as chamadas “vaquinhas”) e fintechs, a CVM estabeleceu que operações que envolvam doações ou atividades de empréstimos concedidos por pessoas físicas a pessoas físicas ou jurídicas que não envolva a emissão de valores mobiliários.

Qual o mecanismo para realização do equity-based crowdfunding?

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A distribuição pública de valores prevista na ICVM 588/17 somente poderá ocorrer por meio de plataforma eletrônica registrada junto a CVM. Dessa forma, a CVM vedou expressamente a negociação de ofertas de Crowdfunding em lojas, escritórios ou estabelecimentos abertos ao público, destinada a adquirentes indeterminados.

A plataforma, de forma geral, é responsável pela intermediação de ofertas realizadas sob a ICVM 588/17, devendo ser obrigatoriamente constituída como pessoa jurídica e regularmente registrada junto ao regulador por meio de processo específico de autorização, de acordo com as regras da instrução.

Existem procedimentos específicos para a realização de ofertas?

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Sim. Apesar de não existir a obrigatoriedade de registro das ofertas junto a CVM, a regra estabeleceu diversos procedimentos formais que devem ser observados pelas plataformas eletrônicas de crowdfunding.

Conforme previsto na ICVM 588/17, a plataforma deverá disponibilizar informações mínimas sobre o emissor, a oferta e as condições de investimento, as quais deverão ser claras e objetivas, garantindo segurança aos investidores. De acordo com a CVM, a padronização das informações essenciais sobre o emissor e a oferta é um dos aspectos mais importantes da regulamentação e, por isso, estabeleceu uma série de requisitos mínimos de disclosure.

Quais são os principais limites para o crowdfunding?

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A ICVM 588/17 estabeleceu determinadas regras e limites para a realização da oferta de valores mobiliários com dispensa de registro prévio, os quais buscam garantir a proteção aos investidores e a segurança dos investimentos realizados por meios das plataformas eletrônicas.

De acordo com as regras da instrução, foram estabelecidos duas grandes categorias de limitações às ofertas, relacionadas ao volume de captação das ofertas e aos limites de investimento por investidor. A verificação de tais condições ficou sob responsabilidade da plataforma eletrônica intermediadora da oferta.

Do ponto de vista de captação, a CVM estabeleceu, como regra geral, que a distribuição deverá ter um valor alvo máximo de captação não superior não superior a R$ 5.000.000,00, e de prazo de captação não superior a 180 dias. Vale ressaltar que o limite de R$ 5.000.000,00 também deverá ser observado de forma anual (ou seja, tal limite deverá ser observado independemente do número de ofertas).

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Além disso, o montante total aplicado por investidor em valores mobiliários ofertados por meio de crowdfunding fica limitado a R$ 10.000,00 por ano-calendário, sendo este valor equivalente ao somatório dos valores utilizados por um investidor em quaisquer ofertas, não sendo limitado a ofertas individuais. Ressaltamos, no entanto, que esses limites não se aplicam a investidores a determinados tipos de investidores (por exemplo, qualificados ou “líderes”).

Quem é o investidor líder?

Seguindo o modelo proposto inicialmente no exterior, a CVM também autorizou a realização e investimento por meio de “sindicatos” de investidores, os quais são grupos de investidores (backers) liderados por um investidor anjo experiente, que constituem veículos específicos para investimento em startups e estão sujeitos a requisitos mais rígidos de operação.

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Esse investidor lidera o sindicato e compartilha, por meio da plataforma, seu conhecimento da startup e as diligências que realizou, e valida elementos críticos da decisão de investimentos como, por exemplo, a avaliação da empresa e os termos do contrato de investimento, que poderá conter cláusulas como o direito de preferência em rodadas de captação seguintes.

Quais são as principais vedações às ofertas de crowdfunding?

Além dos requisitos mínimos previstos pelo novo marco regulatório, a ICVM 588/17 também trouxe uma série de limitações às ofertas realizadas por plataformas eletrônicas de investimento. Dentre essas vedações, pode-se citar as proibições de ofertas generalizadas por meios físicos ou telefônicos, a utilização de materiais publicitários fora do ambiente da plataforma e realizar atividades reguladas (tais como concessão de empréstimos, intermediação secundária de valores mobiliários ou atividades privativas de administradoras de mercados organizados).

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Matheus Campanhã Cruz é advogado sênior do escritório de advocacia Schroeder&Valverde, especializado no mercado de pagamentos fintechs.