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Opinião: A tempestade perfeita

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Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil

Por Antônio C. Roxo*

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Uma coisa é certa, a pandemia que nos assola é prova irrefutável de que o Estado, com E maiúsculo, é fundamental. Nada a ver com o desgoverno que tem à sua frente alguém com a ousadia de dizer que “a Constituição sou eu”, remetendo à Luiz XIV “L’Etat c’est moi”, pois é, o cara quer ser monarca!

O fundamento do problema que torna o Estado disfuncional em momento histórico pelo qual passamos é que o governo que aí está não ajuda só atrapalha, prejudicando iniciativas para um enfrentamento coeso e necessário à pandemia no que diz respeito à saúde pública e às demandas de logística necessárias (tipo coordenar as importações de equipamentos para municiar estados e municípios com aparelhagem adequadas).

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Não se podendo esquecer dos perversos efeitos colaterais no âmbito social e econômico. Não é só mal e porcamente distribuir a grana aprovada pelo Congresso Nacional, como também atender as demandas das empresas no que diz respeito a crédito e financiamento, em particular para as pequenas e médias empresas conseguirem atravessar o cabo das tormentas. Soluções localizadas, micro, sempre serão capengas, falta a organização, coordenação macro, que não temos, por incompetência e burrice. Ou seja, o fato dos entes federativos estarem sem coordenação, liderança, imbica um custo muito maior para sair da pandemia, em termos econômicos e sociais, presentes e futuros.

A gripezinha é um tsunami, e a falta deste entendimento sobre a encrenca em que estamos metidos, resulta em enormes sacrifícios humanos/econômicos, boa parte evitáveis. A lenga lenga de abrir as porteiras, que já deveria ter sido escanteada face ao conhecimento adquirido pela ciência e pelos governos em âmbito mundial, permanece como um empecilho permanente a atazanar medidas essenciais. Até Trump, em seu jeito estúpido, não teve como não se render às evidências, vai pagar caro pelo seu, até recentemente, negacionismo.

Exatamente na hora em que mais se precisa do Estado, para atuar fortemente em todos os âmbitos, ele refuga, pois lá em cima o que seria a cabeça simplesmente se nega a tentar ter o mínimo de respeito pela interlocução necessária. E olhe que estados e municípios, no geral com extrema dignidade e empatia, abdicaram de suas diferenças políticas para agirem em conjunto. Diga-se de passagem que as diferenças políticas, existentes e reais, para o catecismo tresloucado dos bolsominions não existem, todos que não comungam da sua religião de extrema direita, logo são taxados pelas suas milícias virtuais como comunistas.

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Com “interlocutores” desse naipe, convenhamos, é praticamente impossível qualquer planejamento. O entendimento entre as diversas instâncias de Estado são solapadas. E o genocídio está aí, mais cedo ou mais tarde terá que ser cobrado, pela história já “tá”!

A luz no fim do túnel mostra só um trem vindo em sentido contrário, lotado de preconceitos, solapando toda a energia dispendida até aqui. Médicos (as), enfermeiros (as) e demais técnicos e apoios no atendimento à população, heroicos, devem sentir uma angústia macabra, remar contra a corrente colocando a vida em perigo constante, face a total inépcia governamental. O maior poder de fogo do governo federal se perde na estreiteza de pensamento e de objetivos que polui o ambiente brasileiro.
O país do futuro, se amesquinha, retorna ao passado, retrocedendo em termos civilizatório décadas, senão séculos.

As soluções para os problemas graves do país, complexos, acabam se tornando simples conversas de botequim: “vendo as estatais e pago a dívida no primeiro ano do mandato” dizia Paulo Posto Ipiranga Guedes (o financista que de políticas públicas não entende patavina) ou o próprio mandatário de quinta categoria: “o nióbio é solução para o país, a cloroquina a da pandemia” (lembram da pílula do câncer?), é só “encostar nos EUA (Trump) que nossos problemas serão resolvidos”.

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Seus seguidores de raiz, trombeteando a verdade da manhã, negando-a à tarde e recuperando-a à noite. É o que temos para o mundo, desgosto e vergonha, opróbrio eterno, um 7×1 permanente.
País desigual, com uma concentração de renda abissal, pretos e pobres duplamente “sacaneados”, na vida e na morte.

O que nos conforta em frente às maluquices de um psicopata à solta, nesse
presidencialismo de alucinação:

O “Papa” Monzano é muito malvado,
Mas, sem o “Papa” malvado, eu ficaria chateado
Porque sem essa malvadeza,
Diga-me, com certeza,
Como poderia o perverso Bokonon
Algum dia parecer bom?

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(VONNEGUT, K. “Cama de gato”, São Paulo: ALEPH, 2017)

Por Antônio Carlos Roxo – doutor pela USP, professor visitante da Unifesp -Osasco