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Opinião: O que a gripe espanhola pode nos ensinar sobre a pandemia da covid-19

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gripe espanhola coronavírus
Reprodução

Por Daniel Bulha de Carvalho*

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Perto do fim de 1918, escolas mandaram seus alunos para casa, o comércio fechou suas portas, os bondes trafegaram vazios pelas grandes cidades e os hospitais ficaram abarrotados. A gripe espanhola desembarcava no Brasil após levar a Europa ao caos.

No decorrer do avanço da doença, cabia à polícia capturar homens nas ruas para forçá-los a abrir covas e sepultar os cadáveres que se empilhavam, pois os coveiros já estavam gravemente acamados ou mortos. A gripe não poupou nem mesmo o presidente da república recém-eleito, Rodrigues Alves.

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Os governantes locais improvisaram enfermarias em escolas, clubes, igrejas e convocaram médicos particulares e estudantes de medicina. Não havia à época hospitais públicos, ficando a cargo das instituições de caridade, como as Santas Casas e a Cruz Vermelha, o atendimento à população mais carente.

Isolamento social, barreiras sanitárias em portos e higienização das cidades foram algumas das medidas adotadas, diga-se, de forma bastante tímida e lenta. Congressistas acusavam o Governo Federal de subestimar as notícias da gripe espanhola no exterior.

Também na época, assim como hoje, campanhas de desinformação se espalhavam, principalmente nas cidades do Rio de Janeiro, capital do país naquele período, e São Paulo, dois grandes epicentros da doença.

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No auge da pandemia, surgiu uma história no Rio de Janeiro de que o principal hospital da cidade – com o suposto intuito de abrir novos leitos para o tratamento dos doentes – acelerou a morte de pacientes em estado terminal com um chá envenenado administrado durante a calada da noite, o que afugentou diversos doentes graves de procurar a unidade.

Em outra desinformação, na cidade de São Paulo, a receita milagrosa da cachaça com mel e limão contra o vírus serviria apenas para elevar o preço do limão e o seu desabastecimento em mercearias e mercados, pois sua contribuição limitou-se a proporcionar, tempos depois, o surgimento da famosa bebida brasileira, a caipirinha, segundo o Instituto Brasileiro da Cachaça.

Que a gripe espanhola se foi embora tão abruptamente quanto chegou ao Brasil, isto é um fato, porém deixou uma conta impagável ao país: milhares de mortos em apenas três meses de epidemia.

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Faltam estatísticas confiáveis a respeito das vítimas no Brasil, mas sabe-se que em um único dia, a cidade do Rio de Janeiro chegou a registrar mil mortes. De igual forma, o número de registros de mortes em 1918 na capital paulista mais do que duplicou. No mundo todo foram registrados mais de 50 milhões de vítimas da doença em um único ano, superando em mais de cinco vezes o número de mortos ocorridos na Primeira Guerra Mundial em quatro longos anos de conflito.

E agora, passado mais de um século da gripe espanhola, vivenciamos uma nova pandemia e ainda tendemos a seguir os mesmos erros praticados no passado. Não podemos, nunca, relegar as lições da história ao ostracismo.

Os erros daquele passado já distante deveriam nos orientar a traçarmos um caminho diferente que poderá poupar muitas vidas: informação, solidariedade e responsabilidade. Aos governantes, decisões eficientes e coesas, orientando a população às providências a serem seguidas. A todos nós, cidadãos, a responsabilidade para cumprir com o que nos for determinado.

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O isolamento social, a quarentena e o lockdown são algumas das medidas que se deve adotar com rigor diante da realidade de nosso sistema de saúde. É consenso majoritário dos profissionais da saúde, cientistas e países que já superaram as primeiras batalhas e daqueles que parecem enxergar a proximidade do final da guerra.

Sim, vivemos atualmente em uma guerra e ainda não conhecemos o inimigo de forma a romper suas defesas com agilidade e eficiência. Teremos que ser pacientes e responsáveis para cumprir com os nossos deveres.

Em tempos de guerra, encerro com uma oportuna frase atribuída ao famoso general americano da Segunda Grande Guerra, George S. Patton: “Quanto mais você sua no treinamento, menos sangra no campo de batalha”. Devemos nos preparar psicologicamente e economicamente em nossos isolamentos porque, indiscutivelmente, pouparemos vidas.

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* Daniel Bulha de Carvalho é advogado e coordenador de Projetos da Pró-Saúde Associação Beneficente de Assistência Social e Hospitalar

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