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Opinião – O hipersuficiente consegue de fato negociar suas condições de trabalho?

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PIxabay

*Por Janaina Ramon

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A chamada Reforma Trabalhista (*Lei 13.467/2017) inseriu formalmente a figura do empregado “hipersuficiente”, ou seja, o trabalhador com escolaridade de nível superior e remunerado em valor igual ou superior a duas vezes o teto de benefícios no INSS – que hoje encontra-se no montante de R$ 14.174,44.

Com isso, a lei estabeleceu que o “hipersuficiente” poderá negociar grande parte de suas condições de trabalho diretamente com o empregador, afastando inclusive a participação do sindicato da categoria e eventuais cláusulas coletivas definidas em acordos e convenções, podendo incluir ainda cláusula de compromisso arbitral para sanar eventuais conflitos na esfera trabalhista.

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O que aparenta ser um avanço na liberdade de negociação entre empregado-empregador, pode se configurar num grave desequilíbrio costumeiramente visto nesta relação e, como também não é incomum, com a balança pendendo desfavoravelmente ao trabalhador.

Recente decisão proferida pela Quinta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), manteve a extinção de seu processo porque o trabalhador de um banco digital, com cargo de Analista de Suporte de Banco, recebendo salário de R$ 12.517,20 (à época em valor igual ou superior a duas vezes o teto de benefícios no INSS) por não ter passado pela arbitragem prevista em seu contrato de trabalho.

Segundo a decisão “nem toda verba trabalhista é irrenunciável, até porque (…) prima-se pela solução consensual dos conflitos.” No caso, não se está a discutir verbas da rescisão, mas enquadramento na condição de bancário comum, que atua em jornada de seis horas.

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Assim, questiona-se: ainda que com salário acima da média da população e formação superior, poderia mesmo este trabalhador recusar cláusula de convenção de arbitragem em seu contrato de trabalho e, ainda sim, ser contratado por um banco digital com estrutura multimilionária e suporte jurídico que tradicionalmente ocupa andares de prédios e contratam os maiores escritórios do Brasil para sua defesa?

Poderia este “hipersuficiente” ainda, em contrapartida debater as demais cláusulas e tornar os contratos individualmente negociados? Ou, o que nos parece mais óbvio, todos os trabalhadores deste banco, neste cargo e condições salariais, recebem um termo de adesão em sua admissão do qual não podem se opor?

A verdade é que nem de longe ainda possuímos a liberdade de negociar em cargos de base nos termos expostos na Reforma Trabalhista. À exceção de grandes executivos que são buscados no mercado pelos conglomerados para assumir cargos de alta direção, uma faixa profissional mais bem preparada em formação e assalariada acima da média não pode ser considerada “hipersuficiente” nos termos que a lei as enquadrou, caso que nos parece de um Analista Bancário.

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Deste modo, a reflexão que nos parece relevante é que a Justiça do Trabalho deve ter cautela no enquadramento enfático destes profissionais, como se os requisitos estipulados respondessem qualquer dúvida e os encaixassem num perfil perfeito, como acontece com as peças de jogos infantis em que um quadrado não pode ser inserido num buraco redondo.

advogada trabalhista janaina ramon (1)
Janaina Ramom, advogada trabalhista de Crivelli Advogados